Paleolítico
O Princípio de Tudo
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No início não havia nada.
Ou talvez houvesse alguma coisa que não sabemos e talvez nunca saberemos.
Mas até onde conseguimos enxergar retrocedendo no passado…
Há cerca de 13,5 bilhões de anos, o universo como o conhecemos tinha início com um evento de proporções inimagináveis. A matéria, a energia, o tempo e o espaço surgiram de um evento único, desencadeando o que chamamos de Big Bang. Hoje, sabemos que talvez esse começo não tenha sido assim tão “big” e nem tão “bang” como imaginávamos. Mas, na nossa eterna busca por respostas, criamos a física, uma ferramenta para desvendar esses mistérios cósmicos.
Avançando no tempo, mais ou menos 13,2 bilhões de anos atrás, a matéria e a energia começaram a se entrelaçar de maneiras cada vez mais complexas. Átomos e moléculas inauguraram o surgimento da química. E nesse amontoado de partículas, algo ainda mais surpreendente aconteceu.
No meio desses átomos e moléculas, surgiram organismos complexos capazes de se movimentar por conta própria, se alimentar de outros organismos e de reproduzir a si mesmos. Era o despertar da vida e o surgimento da biologia.
Então, num piscar de olhos cósmico, algo extraordinário ocorreu. Há cerca de 70 mil anos, uma dessas formas de vida fez a descoberta mais surpreendente de todas e descobriu que estava viva. O Homo sapiens, uma criatura curiosa e inquisitiva, começou a refletir sobre sua própria existência e começou a criar formas de entender o mundo ao seu redor.
Este foi o nascimento da autoconsciência da natureza, é como se ela finalmente tomasse conhecimento de si mesma. Esse seria um ponto de virada que iria estabelecer uma distinção entre os seres humanos e as outras espécies que habitam o planeta. O Homo sapiens, armado com esta nova percepção, estava pronto para conquistar o mundo. Sua insaciável curiosidade o impulsionaria a inventar ferramentas, explorar terras desconhecidas e, finalmente, dar vida à melhor de todas as ciências: a História.
E assim, em meio a loucura de um universo caótico, começava a nossa história. Uma história que nos levaria do coração das estrelas aos confins da Terra, e finalmente ao período em que vamos conversar hoje.
A Divisão dos Períodos do Tempo: John Lubbock
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Mas afinal, o que é esse Paleolítico e quem batizou este período? Para desvendar esta questão, precisamos viajar até o século XIX, quando a ciência estava em efervescência, para conhecer um inglês chamado John Lubbock. Imagine-se na Inglaterra vitoriana, onde o vapor e o aço moldavam o futuro, e as mentes curiosas ocupadas tentando desvendar os segredos do passado.
John Lubbock era uma dessas mentes. Nascido em 1834, ele era um banqueiro e entusiasta sobre os estudos das novas ciências que surgiam, se tornando um antropólogo pioneiro, e um arqueólogo amador. Sua contribuição mais notável foi a divisão dos períodos pré-históricos baseada nas tecnologias de produção de ferramentas. Lubbock olhou para as ferramentas de pedra lascada e viu mais do que meros artefatos; ele viu a oportunidade de classificação dos períodos. Assim, ele cunhou os termos “Paleolítico” (Idade da Pedra lascada) e “Neolítico” (Idade da Pedra Nova).
Lubbock percebeu que a história humana poderia ser lida nas linhas e formas das ferramentas de pedra, como um bibliotecário lê as linhas de um livro antigo. No Paleolítico, as ferramentas eram simples, criadas por golpes rudimentares que quebravam a pedra, revelando uma humanidade ainda em sua infância tecnológica. Avançando no tempo, no Neolítico, as ferramentas se tornaram mais sofisticadas, mostrando um domínio maior sobre os materiais e um salto evolutivo no intelecto humano.
Esta periodização de Lubbock foi mais do que uma mera classificação; foi um espelho que refletia como nossos ancestrais viam e interagiam com o mundo ao seu redor. Ao dividir a pré-história em diferentes idades baseadas na tecnologia de ferramentas, ele não apenas organizou o passado; ele iluminou o caminho para entendermos a nossa própria jornada através do tempo.
Mas como somos viajantes sérios e críticos, acho que cabe algumas questões sobre isso. John Lubbock como bom filho de seu tempo, acabou estabelecendo uma periodização que vai trabalhar com um conceito de evolução tecnológica atrelado ao conceito de evolução humana. Nesse sentido precisamos ficar atentos para não compreender esse processo apenas como uma evolução de formas de vida humanas primitivas para seres humanos cada vez mais civilizados e sofisticados desembocando na sociedade inglesa “dona do mundo” no século XIX e que tinha como missão levar essa civilização ao resto do mundo. Acho importante dizer isso pois mesmo a melhor das ciências tem intenção e método e fala muito mais sobre aquele que a produz do que sobre aquilo que está sendo produzido.
Sendo assim John Lubbock vai “iluminar” o caminho para entendermos a origem humana, mas utilizando uma lanterna bem específica iluminando lugares bem específicos também.
E para pensarmos as ferramentas como espelhos de uma sociedade é necessário pensar o que esse espelho reflete, principalmente quando o que encontramos é bem diferente de nós. Mas vamos discutir melhor esses conceitos quando chegarmos ao Século XIX, então aperta os cintos ai porque vamos partir para o paleolítico.
Paleolítico: Os Caçadores-Coletores
Primeiros Instrumentos
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É loucura perceber que o Paleolítico representa praticamente 99% da nossa existência na Terra. O período atual, repleto de tecnologias e complexidades sociais, não passa de um suspiro de 1% no relógio cósmico da humanidade.
É nesse período que uma coisa muda drasticamente em nossas cabeças, a família homo começa a utilizar ferramentas, possibilitando uma nova interação entre as espécies humanas e a natureza.
Imagine as primeiras ferramentas, moldadas a partir da natureza: ossos, madeira, chifres e pedras. Um exemplo marcante são os bifaces, ferramentas de pedra trabalhada com habilidade para criar bordas cortantes. Essas ferramentas multifuncionais eram usadas para cortar, raspar e cavar, essenciais para a sobrevivência no ambiente selvagem do Paleolítico.
Outra inovação foram as lanças de madeira, usadas tanto na caça quanto na defesa. Estas não eram simples galhos afiados, mas sim cuidadosamente esculpidas e balanceadas para serem eficazes e duráveis.
A capacidade de criar e usar ferramentas nos diferenciou dos outros animais e moldou nosso caminho evolutivo. Inicialmente, esses instrumentos eram aproveitados conforme encontrados na natureza. Com o tempo, nossos ancestrais começaram a aprimorá-los, marcando o início de uma era de inovação e criatividade sem precedentes.
A sofisticação dessas ferramentas evoluiu gradualmente. Durante milhares de anos, os humanos foram refinando suas técnicas de fabricação de ferramentas, estabelecendo os alicerces para a tecnologia moderna.
Essas primeiras ferramentas não eram apenas itens práticos; eram a manifestação física da nossa crescente inteligência e capacidade de moldar o mundo ao nosso redor. Elas representam os primeiros passos em nossa jornada de transformação da Terra e de nós mesmos.
Alimentação e Nomadismo
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Imagine-se lá, na vastidão da natureza selvagem, com o sol se pondo no horizonte. Você está no Paleolítico, um tempo onde a sobrevivência era uma arte praticada diariamente. Agora, pense: como você iria se alimentar? Não existem supermercados, nem fazendas. Tudo o que você tem são suas mãos, sua inteligência e a natureza à sua volta.
Eis que você e seu grupo, habilidosos caçadores-coletores, enfrentam um dilema. As bagas e frutas que antes pendiam das árvores, agora estão sumindo. Os animais que rondavam perto do seu acampamento também estão desaparecendo. O que fazer? Ficar e esperar é um risco. Então, vocês tomam uma decisão crucial: é hora de se mover.
Essa era a realidade dos nossos ancestrais no Paleolítico. Eles não possuíam a habilidade de cultivar alimentos ou criar animais. Tudo o que comiam vinha diretamente da natureza. E a natureza, como bem sabemos, é imprevisível. Quando os recursos minguavam, a única opção era partir em busca de novos horizontes.
Agora, imagine o quão crucial isso era para a sobrevivência e a evolução humana. Cada deslocamento era uma jornada rumo ao desconhecido. Cada passo em terra nova era um passo na história da humanidade. Eles levavam consigo suas ferramentas primitivas, feitas com pedras e ossos, e um conhecimento acumulado que seria passado de geração em geração.
Mas, aqui vem o ponto intrigante: você já parou para pensar que, sem a agricultura, esses deslocamentos não eram apenas uma escolha, mas uma necessidade e um caso de vida ou morte? E se eu disser que foi essa constante movimentação que impulsionou nossos ancestrais a explorarem territórios distantes, a se adaptarem a diferentes ambientes, e a evoluírem de maneiras que talvez nunca imaginaríamos?
Esses nômades do passado, guiados pela fome e pela necessidade, foram os pioneiros da exploração humana no planeta terra. Sem saber, eles estavam traçando rotas que se transformariam em caminhos para futuras civilizações. Eles não apenas sobreviveram – eles prosperaram, moldando a história humana com cada passo dado.
O Controle do Fogo
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Mas para que isso fosse possível, um elemento foi primordial para que estes deslocamentos fosse possível e em outro artigo já falamos da importância dele. Consegue adivinhar qual elemento é esse?
O crepúsculo cai sobre uma savana africana. Nossos antepassados estão agrupados, sentindo o frio da noite que se aproxima. De repente, um relâmpago rasga o céu, atingindo uma árvore próxima. Uma chama surge, um brilho no meio da escuridão. O grupo observa, fascinado e temeroso. O primeiro contato dos seres humanos com o fogo pode ter acontecido exatamente dessa maneira, um presente da natureza, acidental mas revolucionário.
Inicialmente, o fogo era como um mistério, um ser vivo que precisava ser alimentado e protegido para que não morresse. Eles perceberam que o fogo oferecia calor, afastava predadores e transformava a comida, tornando-a mais fácil de digerir. Isso significava mais energia disponível para o desenvolvimento do cérebro, menos tempo gasto na mastigação e mais tempo para criar, pensar, sonhar.
O fogo se tornou tão essencial que só podia ser um presente divino ou seria uma maldição?
Prometeu, vendo a luta da humanidade pela sobrevivência, decidiu roubar algo que era próprio dos deuses para entregá-lo aos mortais. O fogo.
Mas o pecado de Prometeu não ficaria impune. Zeus, o senhor do olimpo o condenou a uma eternidade de sofrimento, acorrentado a uma pedra ele teria seu fígado devorado por uma águia todos os dias de sua existência imortal, mas sua ação se tornou um ponto de virada para a humanidade: o fogo, o poder dos deuses, agora se encontrava em mãos humanas.
Mas, assim como Prometeu, nossos ancestrais também aprenderam que o fogo pode ser uma dádiva perigosa. Na mitologia japonesa, Izanagi e Izanami, divindades criadoras, enfrentam uma tragédia quando dão à luz Kagutsuchi, o deus do fogo.
Izanami é consumida pelas chamas de seu próprio filho, mostrando a natureza destrutiva do fogo. Essas histórias refletem a dualidade do fogo: um aliado poderoso, mas também um perigo implacável.
O fogo não era apenas uma chama; era uma revolução. Ele permitiu que nossos ancestrais se aventurassem em climas mais frios, enfrentassem a escuridão da noite e cozinhassem alimentos que antes eram inacessíveis. O domínio do fogo foi um salto na jornada humana, um momento de transformação tão profundo que esta presente até hoje nas mitologias ao redor do mundo.
Com o fogo, começamos a nos moldar não apenas como sobreviventes, mas como transformadores do mundo ao nosso redor. E com esta chama, seguimos adiante em nossa jornada pelo Paleolítico, rumo a novas descobertas e desafios.
Abrigos e Roupas
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Após dominar o fogo, nossos ancestrais enfrentaram um novo desafio: proteger-se das intempéries do tempo. Vamos imaginar como era viver em um mundo onde o clima e o ambiente podiam ser tão implacáveis quanto qualquer predador.
Nossos corpos, apesar de sua resiliência, são incrivelmente frágeis diante das forças da natureza. O frio, a chuva, o calor intenso – todos esses elementos exigiam uma solução criativa para a sobrevivência. E assim, nasceu a primeira moda da humanidade: roupas feitas de peles e couros de animais.
Imagine a cena: um grupo de caçadores retorna, triunfante, após uma caçada bem-sucedida. Mas, além da carne, eles trazem outro tesouro: as peles dos animais. Com habilidade e inventividade, esses primeiros estilistas humanos começaram a transformar essas peles em algo mais do que uma simples cobertura. Eles descobriram técnicas para amaciar o couro, tornando-o mais maleável e confortável para o uso diário. A roupa se tornava nosso primeiro abrigo.
Nosso segundo abrigo foram as famosas cavernas servindo como lares para uma humanidade em constante movimento, oferecendo proteção contra os elementos da natureza e os predadores à espreita. Mas essas cavernas não eram apenas abrigos; elas se tornaram as primeiras galerias de arte do mundo. As paredes rochosas eram telas para expressões de criatividade e história.
Richard Leakey, um renomado paleoantropólogo, enfatiza como as ferramentas e os artefatos de arte evoluíram lado a lado. À medida que nossos ancestrais aperfeiçoavam suas ferramentas, eles também aprimoravam sua capacidade de expressão artística. As cavernas pintadas e os adornos encontrados são testemunhos silenciosos de uma revolução na autoexpressão e no pensamento simbólico.
dizia ele:
“ Pela primeira vez, os artefatos tornaram-se obras de arte: por exemplo, lanças feitas com chifres eram enfeitadas com gravações representando animais vivos. E pinturas nas paredes de cavernas revelam um mundo mental que reconheceríamos como nosso.” Leakey.Richard. A origem da espécie humana. São Paulo. Melhoramentos.1982.p95.
Essas primeiras expressões artísticas e a criação de roupas e abrigos não eram apenas sobre sobrevivência; elas eram a manifestação de uma inteligência emergente, uma mente que começava a ver além das necessidades imediatas. Uma mente que se perguntava, imaginava e criava.
Formas de Organização
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Olha só que loucura e se pudéssemos passar um dia na vida de um homem que viveu a milhares de anos atrás?
Hoje, convido você a embarcar numa viagem no tempo, através das páginas de um diário imaginário, para descobrir como nossos ancestrais se organizavam para sobreviver.
10 de Março, Ano Desconhecido:
“Hoje, testemunhei algo extraordinário. Nossa tribo, unida e coesa, derrubou um mamute gigante. Foi uma dança de coragem e estratégia. Cada um sabia seu papel: os mais ágeis atraíam a atenção da fera, enquanto os mais fortes desferiam o golpe final. Esta cooperação, esta força coletiva, é o que nos mantém vivos.”
A caça de grandes animais exigia mais do que força bruta. Requeria coordenação, estratégia e, acima de tudo, confiança mútua. A sobrevivência dependia da habilidade de cada indivíduo e da colaboração de todos.
15 de Abril, Ano Desconhecido:
“Um novo abrigo foi erguido hoje. Com as mãos de muitos, o que levaria dias foi concluído em horas. A união faz a força, realmente. Há uma sensação de comunidade, de pertencimento. Juntos, somos mais fortes, mais rápidos, mais eficientes.”
Construir abrigos era um esforço coletivo. Quanto maior o grupo, mais rápido e eficaz era o processo. Isso não era apenas uma questão de eficiência, mas também de criar laços, de construir uma comunidade.
30 de Junho, Ano Desconhecido:
“A divisão do trabalho é clara aqui. Homens e mulheres, jovens e idosos, todos têm um papel. Enquanto alguns caçam, outros preparam a pele dos animais, cuidam das crianças ou colhem frutas. Cada um contribui de acordo com sua força, habilidade e sabedoria.”
A especialização e divisão do trabalho não era apenas uma questão de gênero ou idade; era uma forma de garantir que todos os aspectos da vida na tribo fossem atendidos. Cada membro tinha um valor inestimável, e suas contribuições eram reconhecidas e respeitadas.
12 de Setembro, Ano Desconhecido:
“Não guardamos alimentos; compartilhamos. Quando um caça, todos se alimentam. Quando um colhe, todos desfrutam. Esta é uma sociedade de partilha, de apoio mútuo. A generosidade não é apenas uma virtude, é a cola que nos mantém unidos.”
Neste mundo primitivo, a estocagem de alimentos era um conceito desconhecido. Em vez disso, a partilha era a norma. A comida era um bem comum, e todos tinham sua parte. Essa era a verdadeira riqueza: uma comunidade onde todos cuidavam de todos.
A Transformação Humana na Savana
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Graças ao sucesso dessas primeiras comunidades humanas, nós conseguimos chegar até aqui. Você já parou para pensar na extraordinária jornada evolutiva que nos trouxe até aqui?
Mas afinal como foi a ascensão do Homo sapiens na savana africana?
Por que se quisermos investigar e chegar a alguma conclusão sobre nossa transformação como espécie precisamos falar sobre ele, o nosso amigão. É isso mesmo que você está pensando. Será que tamanho é documento?
É claro que a gente tá falando de cérebro? Afinal damos tanta importância a nossa inteligência e ao nosso cérebro não é? Mas se tamanho é documento como Os Neandertais, nossos primos acabaram sendo extintos, mesmo possuindo cérebros maiores que os nossos? Mas se não é o tamanho, então, o que nos torna especiais?
O cérebro humano, apesar de ser apenas uma pequena fração do nosso peso corporal, cerca de 2 a 3% consome uma quantidade desproporcional de energia, cerca de 25% em repouso. É como ter um carro pequeno que consome combustível como um caminhão.
Mais cérebro significa mais energia necessária, e portanto, mais alimento.
Imagine o desenvolvimento do cérebro humano como alguém investindo todas as suas economias na compra de um supercomputador, negligenciando outras necessidades. A custa do desenvolvimento de um cérebro poderoso nos tornamos fisicamente mais fracos que outros primatas, como chimpanzés.
Dificilmente venceríamos um chimpanzé lutando 1×1. Assim como dificilmente ele nos venceria em uma partida de xadrez. Entretanto compensamos nossa falta de força física, elaborando ferramentas cada vez mais sofisticadas que possibilitaram uma vitória contra qualquer outro animal mais poderoso fisicamente.
Mas o que aconteceu que desenvolveu o nosso cérebro? seria esse o pecado original? Vejamos.
A grande virada evolutiva foi quando decidimos, metaforicamente falando, “largar as quatro patas”. Nos erguemos e começamos a andar em pé em postura ereta. Foi como se alguém, em algum momento na savana, pensasse: “Chega de andar de quatro, é hora de ver o mundo de um novo ângulo”. Esse humano mudou o mindset. Esse ato, brincadeiras à parte, foi nosso “pecado original” evolutivo. Assim adquirimos conhecimentos ampliando literalmente nossa visão de mundo, e finalmente nossas mãos foram liberadas e agora a curiosidade levava a uma outra questão: o que fazer com elas? Muitas coisas não é mesmo, mas o fato é que as mãos humanas se tornariam as grandes artesãs do mundo.
Mas, como na história bíblica, esse “pecado original” trouxe suas consequências. Andar em pé fez com que tivéssemos dores no pescoço e problemas de coluna. Para as mulheres, especialmente, o parto se tornou mais difícil e perigoso. A natureza, em sua sabedoria, favoreceu nascimentos mais precoces. Os bebês humanos nascem incrivelmente dependentes, moldáveis a qualquer sociedade em que se encontrem.
É fascinante pensar que nossa sociabilidade, nossa necessidade de cuidar uns dos outros, pode ter raízes nessa vulnerabilidade inicial. Os primeiros anos de vida humana são uma janela crítica de aprendizado e adaptação, diferente de outros animais que nascem prontos para enfrentar o mundo e são moldados pela natureza. Os humanos criaram as relações de sociedade e começaram a moldar a natureza de acordo com as suas necessidades.
Mas como meros macacos pelados que não ocupavam mais do que uma pequena fração do planeta, superaram seus predadores naturais e chegaram ao topo da cadeia alimentar?
O Homo Sapiens no Topo da Cadeia Alimentar
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Cerca de 100 mil anos atrás, os Homo sapiens, vivendo na África, começaram uma expansão que mudaria para sempre o mundo. Embora os motivos exatos dessa migração sejam desconhecidos, sabemos que, em poucos milhares de anos, os humanos ocupariam todos os cantos do planeta, da Ásia e Europa à Oceania e as Américas. A evidência mais antiga de migração humana foi encontrada em cavernas no território que hoje é Israel, datando de 90 a 100 mil anos atrás, mas provavelmente não foi uma tentativa bem-sucedida de migração. Existem vestígios de contato entre esses primeiros humanos e neandertais que dominavam a região e parece que nesse primeiro contato os sapiens levaram a pior.
Foi entre 70 e 50 mil anos atrás que ocorreu a migração que levou à dispersão duradoura dos humanos modernos pelo mundo. Um pequeno grupo da África Oriental, cruzou o estreito do Mar Vermelho em direção ao que hoje é o Iêmen. Suas rotas poderiam ter incluído a Península de Sinai, no Egito, ou o Estreito de Bab-el-Mandeb.
Os humanos que chegaram à Ásia continuaram sua migração para o sul, chegando à Austrália e Papua-Nova Guiné há pelo menos 45 mil anos. Para sair do continente e chegar a essas ilhas, foi necessária uma viagem marítima de mais de 70 quilômetros, um feito notável para a época.
Os humanos que migraram para a Europa encontraram um ambiente hostil e frio, além de competição com os Neandertais. Esses parentes próximos da nossa espécie habitavam a Europa há muito tempo e se extinguiram há cerca de 28 mil anos, talvez devido à competição com nossa espécie.
Enquanto isso, na Ásia, as migrações continuaram ao longo da costa asiática até o Sudeste Asiático e Oceania, com humanos modernos colonizando a Austrália por volta de 65.000 a 50.000 anos atrás. A sequência de um genoma aborígine da Austrália Ocidental revelou que o indivíduo descendia de pessoas que migraram para o leste da Ásia entre 62.000 e 75.000 anos atrás, apoiando a teoria de uma única migração para a Austrália e Nova Guiné antes da chegada dos asiáticos modernos.
A teoria tradicional de que os primeiros humanos chegaram às Américas há cerca de 13.000 anos atrás, atravessando uma ponte terrestre entre a Sibéria oriental e o Alasca ocidental, tem sido questionada. Novas pesquisas sugerem que os humanos podem ter chegado à América do Norte pelo menos 20.000 anos atrás, possivelmente mais cedo. Alguns acreditam que houve uma parada significativa em Beringia, o território submerso que agora forma o Estreito de Bering, antes de continuar para a América do Norte.
A hipótese do “Beringian Standstill” sugere que, durante a Era Glacial, grupos humanos teriam se estabelecido em Beringia por milhares de anos antes de migrar para a América do Norte. Escavações revelam evidências de ocupação humana na América do Norte que datam de pelo menos 13.000 a 14.100 anos atrás, com achados como ferramentas de obsidiana e pegadas humanas.
Durante essa incrível jornada de expansão, os sapiens encontraram outras espécies humanas, como os Neandertais na Europa e os Denisovanos na Ásia. Estudos genéticos revelam que os humanos modernos fora da África subsaariana carregam de 1 a 4% de genes Neandertais. Esta coexistência e substituição de outras espécies humanas pelo o homo sapiens é envolta em mistérios.
O fato é que a ascensão dos sapiens ao topo da cadeia alimentar é um conto de conquista, adaptação e conflito por recursos naturais. Onde chegamos acabamos exterminamos outras espécies humanas e grandes mamíferos, deixando um legado um tanto ambíguo.
Hoje, enfrentamos os desafios de nossa própria sustentabilidade, ecoando a história de nossos ancestrais. Os seres humanos agiram como verdadeiros exterminadores do passado, agora resta saber se seremos os exterminadores do futuro. Espero que não.
O Conhecimento que Transforma os Sapiens
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Há cerca de 70 mil anos, algo extraordinário aconteceu com os Homo sapiens. Essa é a história de uma revolução silenciosa, mas que mudou tudo. Imagine, por um momento, que você está lá, naquele período crucial. O mundo é vasto, desconhecido e repleto de perigos. Os neandertais, nossos primos distantes, já ocupam partes do Oriente Médio. Nós, os sapiens, estamos em conflito por territórios. Mas algo dá errado. Por um tempo, parece que vamos perder essa batalha pela sobrevivência.
Agora, avancemos 30 mil anos no tempo. Algo mudou drasticamente. Não apenas sobrevivemos, mas começamos a dominar. Como se um interruptor tivesse sido acionado, os sapiens se espalham pelo globo, conquistando território após território. Mas o que aconteceu durante esses milênios? Que conhecimento adquirimos que nos diferenciou tão profundamente das outras espécies?
É aqui que entra a revolução cognitiva. Imagine que, de repente, nossa mente se expande. Começamos a ver o mundo de uma maneira completamente nova. Nossas habilidades de comunicação evoluem. Desenvolvemos a capacidade de compartilhar ideias complexas, de planejar, de sonhar. Comemos então o fruto do conhecimento. e como diz Melanie Klein “ quem como o fruto do conhecimento é expulso de algum paraíso”. E ao explorar o mundo ao nosso redor acabamos nunca mais voltando para lá. Com esse novo poder em mãos, nós, sapiens, nos aventuramos além dos limites conhecidos.
Mas o que foi esse “fruto do conhecimento”? Como ele transformou nossos ancestrais em exploradores destemidos? A resposta pode estar na maneira como começamos a ver o mundo e a nós mesmos. Histórias, mitos, religiões e conceitos abstratos começam a tomar forma. Criamos sociedades complexas, desenvolvemos a arte e a música. E com cada nova descoberta, com cada novo território conquistado, vamos nos afastando cada vez mais do nosso passado simples e nos tornamos mestres do nosso destino.
Esta é a história de como nos tornamos quem somos hoje. De como um salto cognitivo nos levou a conquistar o planeta. É uma jornada cheia de reviravoltas e descobertas. E agora, caro leitor, com essa chama de curiosidade acesa em sua mente, convido-o a explorar mais, a descobrir como esse conhecimento moldou não apenas nosso passado, mas também o presente e o futuro.
Como sapiens, nossa jornada de conhecimento nunca termina. Continuamos a desbravar, a aprender, a evoluir. E, talvez, a maior lição dessa história toda seja que, em nossa busca incansável pelo conhecimento, nunca mais voltamos ao nosso paraíso inicial. Mas talvez, no final das contas, nosso verdadeiro paraíso seja justamente essa jornada de descobertas sem fim.
Os seres humanos, em seu processo evolutivo, transcenderam o mundo físico criando mundos imaginários, narrativas, arte, religião, comércio e estratificações sociais complexas. Este fenômeno é visível na riqueza da arte e religião primitiva, bem como na evolução da linguagem e na capacidade de planejamento futuro.
E esse planejamento nos tornou uma espécie muito observadora e uma nova descoberta estava prestes a ser realizada. Quer saber que descoberta é essa, aguarde nosso próximo Artigo.
A morte que trás a vida.
Referências para saber mais:
Livros Linkados para compra pelo melhor preço
Funari, Pedro. P. Noely, Francisco. S. Pré-História do Brasil. São Paulo: Contexto,2023. )
Harari, Yuval.N. Sapiens: Uma breve história da humanidade. São Paulo: Companhia das letras,2020.
Swinnen, Colette. A pré-história passo a passo. São Paulo: Claro enigma, 2014
DARWIN, Charles. A Origem das Espécies. 1859.São Paulo: Editora Martin Claret,2014